Coronavírus
- Miguel Dias

- 6 de dez. de 2020
- 7 min de leitura
Atualizado: 12 de dez. de 2020
Oi, seguidores do CCM!
Hoje começaremos uma série de artigos multidisciplinares sobre o Coronavírus.
A presença da pandemia no nosso planeta é multifatorial. Todos, de alguma forma, somos responsáveis pelo que está acontecendo e, não nos cabe procurar e punir o carrasco. Nós, humanos de cérebro limitado, somos o inicio do nosso próprio fim. A luta é de todos...
Nascida na Escócia, em 1930, June Hart estudou só até os 16 anos e trabalhou em um laboratório de histopatologia em Glasgow. Lá foi onde começaram seus estudos com tecidos doentes. Após se casar e passar a ter o sobrenome Almeida, June e o marido foram para o Canadá, onde a cientista passou a usar o microscópio eletrônico e desenvolveu novas técnicas e publicou vários trabalhos descrevendo as estruturas de vírus nunca vistas antes. Mas foi em Londres a grande descoberta. Quando tentou publicar os artigos, os revisores recusaram, acreditando se tratar apenas de imagens de baixa qualidade do vírus Influenza. Com a nova amostra, June pode comprovar a existência de um novo vírus, o Corona. Apesar dessa grande descoberta, seu trabalho não se resume apenas a isso. June Almeida desenvolveu técnicas para descobrir o vírus usando anticorpos, que permitiu diagnosticar infecções virais e identificou a rubéola – doença que era conhecida como sarampo de 3 dias.
Sem seu trabalho pioneiro, a situação teria sido muito mais lenta ao lidar com o atual surto da Covid-19. Seu trabalho acelerou a compreensão do vírus.
Antes de vir a falecer, em 2007, ela continuou a criar imagens de vírus e também co-publicou um documento para a Organização Mundial da Saúde, em 1979, intitulado ‘Manual para diagnóstico viral rápido de laboratório‘.
Esta brilhante cientista também estudou herpes, hepatite B e, só foi reconhecida no meio do desespero humano quando, em 2002 a SARS começou a tirar o nosso sono desde Gunagdong (China). Dessa data até hoje e, com Covid -19 presente, podemos ter a ideia que somente reagimos quando a água está batendo nas nádegas.

(Wikipedia/Casa.com.br)
De etiologia multifatorial esta Pandemia 2019-ad aeternum, nos leva a procurar situações globais que, de uma maneira ou outra, desestruturam o equilíbrio do planeta e ameaçam a nossa vida e evolução. O mundo é comandado por idiotas?
Interfaces à transmissão e spillover do coronavírus entre florestas e cidades, Parte 1.
Se as mudanças climáticas e o desmatamento ainda não convenciam a opinião pública, a pandemia de Covid-19 tem sido bastante tangível em evidenciar que impactos na natureza podem retornar rapidamente em severos prejuízos aos seres humanos. Em poucas semanas o novo coronavírus Sars-CoV-2 se espalhou pelo planeta, usando nossos corpos como meio de dispersão. A pandemia expôs desvantagens da moderna hipermobilidade, evidenciou fragilidades dos sistemas econômicos, dos serviços públicos e privados de saúde e, sobretudo, gerou severos impactos emocionais e psicológicos, além de incontáveis mortos.
A Covid-19 é uma doença de origem zoonótica, portanto o agente infeccioso Sars-CoV-2 é oriundo de animais silvestres, mas adquiriu a capacidade de saltar entre diferentes espécies - incluindo a habilidade de infectar humanos - por meio de processo chamado spillover (Plowright et al., 2017). Estima-se que mais de 60% de todas as doenças infecciosas humanas já conhecidas e mais de 75% de outras emergentes serão derivadas de zoonoses (Jones et al., 2008). Quanto maior a proximidade humana com outros animais, maior será a exposição aos agentes infecciosos que circulam enzooticamente neles, aumentando o risco de spillover.
Testes laboratoriais demonstraram que Sars-CoV-2, cepa causadora da Covid-19, tem provável origem em morcegos do gênero Rhinolophus (Benvenuto et al., 2020), similar à origem de outras cepas de coronavírus que também causam doenças humanas: Sars-CoV-1 e Mers-CoV (Wong et al., 2019). Notavelmente, uma das cepas de coronavírus encontrada nesses morcegos apresentou uma sequência genômica (RaTG13) similar em cerca de 90% àquela encontrada no Sars-CoV-2 (Zhang et al., 2020; Zhou et al., 2020). Embora a similaridade não seja muito alta, sugere origem de Sars-CoV-2 a partir de mutações de cepa que originalmente circulava nesses morcegos (Andersen et al., 2020; Benvenuto et al., 2020; Liu et al., 2020).
Pesquisas têm indicado que para o novo coronavírus ser capaz de infectar humanos houve a intermediação de animais silvestres (Benvenuto et al., 2020). Muitas espécies estão sendo investigadas, como serpentes, civetes, visons, até mesmo cães e gatos (Lam et al., 2020). Porém, até o momento, a explicação mais robusta sobre a sequência de eventos que levou ao spillover do novo coronavírus indica dois eventos: o intermédio de espécies silvestres, entre morcegos e pangolins da Malásia (Liu et al., 2020; Xiao et al., 2020) e o modo de exploração da biodiversidade, envolvendo comércio e morte de espécies silvestres.
É bem conhecido entre virologistas que morcegos (Chiroptera) são hospedeiros primários de grande variedade de grupos virais, e por seu sistema imunológico peculiar, lhes causam pouco ou nenhum dano à saúde (Li et al., 2005; Hu et al., 2015; Wong et al., 2019). Enquanto voam, morcegos depositam seus excrementos sobre o solo, prestando serviço essencial na dispersão de sementes; porém, nesse processo os morcegos portadores de coronavírus podem ter contaminado a área onde habitam; locais também utilizados por outras espécies, notavelmente pelos pangolins (gênero Manis; Liu et al., 2020). Esses mamíferos habitam florestas da África subsaariana e da Ásia, e se alimentam de formigas e cupins usando suas imensas unhas para escavar e sua língua pegajosa para capturar os insetos. Frequentemente procuram abrigo em cavidades de rochas, no solo, em troncos ocos e entradas de cavernas, locais também usados pelos morcegos. Esse compartilhamento de hábitat pode ter favorecido o spillover do coronavírus dos morcegos aos pangolins.
Os pangolins são os animais silvestres mais traficados do planeta, e a China tem sido o maior financiador desse tráfico ilegal. Milhões desses animais já foram retirados da natureza para suprir o mercado asiático (IUCN, 20 20). Em plena pandemia (abril de 2020), seis toneladas de escamas de pangolins foram apreendidas por autoridades malaias em um único carregamento (Alberts, 20 20). Isso acontece porque se acredita que o consumo da carne de pangolim traz efeitos medicinais, e o chá de suas escamas teria algum poder contra a disfunção erétil (BBC-Pangolins, 2020; Bale, 2020). Esse consumo, ou contato de sua carne crua com outros alimentos, tem sido apontado como fatores facilitadores ao spillover da cepa que deu origem a Sars-CoV-2 (Liu et al., 2020). Eventualmente, o consumo da própria carne de morcego portador de coronavírus pode ter sido o fator de exposição que facilitou o spillover. Não obstante a transmissão direta de coronavírus dos morcegos aos humanos possa acontecer, é evento raro e menos provável do que o spillover a partir de outro animal (Plowright et al., 2017).
O “mercado molhado” Huanan na cidade de Wuhan tem sido apontado como marco zero dessa pandemia, pelo fato de lá serem vendidos animais vivos em meio ao comércio de frutos do mar, de carnes variadas, incluindo animais silvestres como morcegos, pangolins, roedores e outros potenciais hospedeiros de coronavírus, mas também porque mais da metade das pessoas inicialmente diagnosticadas com Covid-19 estiveram nesse mercado (Huang et al., 2020). Esses hábitos alimentares que estimulam o comércio de animais silvestres têm causado “indigestão” na opinião pública global. Mas, apesar das fortes evidências, até o momento não é possível afirmar que o consumo de animais silvestres tenha iniciado a Covid-19. O que é seguro afirmar é que a nossa forma de explorar a biodiversidade tem sido agressiva e tem provocado diversos problemas à saúde humana. O spillover de patógenos de animais para humanos é apenas uma das formas de repercussão de nossas atividades na natureza, e cenários indicam que, sem mudanças drásticas neste formato de exploração, as epidemias virais poderão se tornar mais frequentes e intensas (Smith et al., 2014).
Mas além do spillover de patógenos da selva para as cidades, a nossa proximidade cada dia maior com hábitats silvestres gera preocupação quanto à possibilidade de invasão do coronavírus nas florestas, partindo dos humanos (Spear et al., 2018). Se considerarmos a quantidade de espécies vulneráveis ao novo coronavírus que o Brasil possui, especialmente a riqueza de morcegos na Amazônia, perceberemos o alto potencial de os biomas brasileiros se tornarem imensos reservatórios; e de lá poderão retornar novas cepas eventualmente ainda mais perigosas à saúde (Jordan; Howard, 2020).
Cada vez mais temos evidências de que a qualidade da saúde humana, dos animais e dos ecossistemas está inexoravelmente interligada. Todavia, ainda há grande dificuldade em se perceber que as atividades humanas mais essenciais geram impactos nos ecossistemas, porque estamos reféns de um modelo obsoleto de desenvolvimento, em que o capital econômico é construído em detrimento do capital natural (Costanza, 2020).
Apesar de ser razoavelmente seguro afirmar que muitas pessoas nunca se alimentaram de animais silvestres, será difícil encontrar quem nunca consumiu o óleo de palma, usado em diversos produtos. Ou nunca tenha consumido soja - de cujas sementes se extraem óleo, farinha, proteína e “leite”. Ou ainda, não se beneficiado de produtos oriundos da cana-de-açúcar - da qual se extraem combustível, alimentos, bebidas, adoçante, e até o álcool em gel que usamos contra o coronavírus. Essas plantações estão entre os maiores fatores indutores de destruição e fragmentação de hábitats florestais no mundo. Com elas, a pecuária - que transforma os solos em pastagens para que tenhamos laticínios e carnes. Além disso, temos a desflorestação para obtenção de lenha e madeira; a degradação pela mineração e suas barragens de rejeitos. Tudo isso sem contar as atividades ilegais, como invasões de terra por grileiros, posseiros e garimpeiros, entre tantas outras.
Portanto, de forma deliberada ou não, todos estamos envolvidos na geração de impactos à natureza. Mas, inquestionavelmente, temos que continuar a produzir alimentos, matéria-prima, energia. Na verdade, temos que aumentar a produção, pois a população humana não para de crescer. Mas existem formas ambientalmente amigáveis de se fazer tudo isso, e conhecimentos científicos para tornar sustentáveis os setores produtivos. Embora grande esforço seja exigido, um novo mindset é urgente, bem como colocar os procedimentos de produção sustentável em prática (Costanza, 2020; Wirén-Lehr, 2001).
Em tempos de crise, nossas necessidades mais prementes tornam-se evidentes. Deveríamos aproveitar esses momentos para revisar prioridades e refletir sobre decisões individuais e coletivas que têm repercutido na forma de prejuízos. Por isso, torna-se um importante exercício pensar que, se animais selvagens não fossem explorados, a cepa do coronavírus que evoluiu para Sars-CoV-2 poderia ter permanecido limitada às fronteiras das florestas, circulando enzooticamente entre animais silvestres, e a humanidade poderia não sofrer a Covid-19.
Print version ISSN 0103-4014On-line version ISSN 1806-9592
Estud. av. vol.34 no.99 São Paulo May/Aug. 2020 Epub July 10, 2020

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